sábado, 22 de dezembro de 2018

TÉDIO
Não vivo, mal vegeto, duro apenas,
Vazio dos sentidos porque existo;
Não tenho infelizmente sequer penas
E o meu mal é ser (alheio Cristo)
Nestas horas doridas e serenas
Completamente consciente disto.

Fernando Pessoa


sábado, 24 de novembro de 2018

"Cavalheiros, a vida é curta. Se vivemos, vivemos para arrancar a cabeça dos reis."  
Willian Shakespeare

sábado, 17 de novembro de 2018



Te acalma, minha loucura!

Veste galochas nos teus cílios tontos e habitados!
Este sonho de serra de afiar facas
não chegará nem perto do teu canteiro de taquicardias...

Estas molas a gemer no quarto ao lado
Roberto Carlos a gemer nas curvas da Bahia
O cheiro inebriante dos cabelos na fila em frente no cinema...

As chaminés espumam pros meus olhos
As hélices do adeus despertam pros meus olhos
Os tamancos e os sinos me acordam depressa na
madrugada feita de binóculos de gávea
e chuveirinhos de bidê que escuto rígida nos lençóis de pano.

Ana Cristina Cesar

domingo, 17 de junho de 2018

ENTRE COPOS E CORPOS


(Eu vou esquecendo você...)
A noite chega inocente
feito filho.
Atravessa.
O violão soletra cada pulso meu
e dançamos
como dançam certos ventos
com certas árvores
e folhas e brisas e bisas e cabelos e lençóis no varal da varanda do mundo.
A moça ali de amarelo
a barba do violão
os dedos que apalpam o corpo invisível
do tempo.
E toda cerveja nas mãos erguidas
tilintam em um som parecido com saudade.
Eu queria
– ah, queria –
não dar desfeita ao agora
e mergulhar como mergulham certas primaveras.
Eu queria
– ah, queria –
enxergar toda teia de passado presente futuro que se enlaça aqui,
nessa sala,
agora
agora
agora.
Em cada agora nascente,
em cada toque.
Mas… sabe?
Toda essa eternidade
esse fio de violão pelo chão
esse tambor com mão com mão com mão
lembram mesmo é que nada finda
– meu bem.
Nada finda e é só fresta
(sabe..?)
Que a cerveja o tempo e a dança
são só pretextos
– meu bem.
Pre
tex
tos
para estar
e seguir
em encontros.
Encantos.
Em cantos.
Atravesse essa sala
atravesse esse tempo
esse som
e esse chão que pulsa junto
com a gente com o copo com o corpo com o
(sangue)
…sabe..?
E tá. Tá.
Atravessemos a madrugada assim, então.
Em punho firme em pandeiro quente em cerveja multicor de copos que se entrelaçam na mesa
qual meu?
qual meu?
qual meu?
nem importa.
Nem.
São nossos
os copos os corpos os sons
nada teu nada meu
tudo.
Meu
bem.
E esse é o fim do primeiro ato.
Do primeiro ato e do segundo fato.

E só para que não nos esqueçamos
estamos aqui, carnaval, comitê, coragem.
Cor
agem
.
E rimos
– sim, assim.
Só para lembrar dos horizontes
(ah!)
entre goles de cerveja
e temporais de ventos fortes.
Ah.
E fim, só para que não acabemos.
Sim.

sábado, 16 de junho de 2018

...que me vire do avesso
e me arranque as entranhas...




quarta-feira, 30 de maio de 2018

Bom mesmo é beber. Pra esquecer do mundo vil, da vida vil, dos homens vis, das mulheres vis. Esquecer da nefastidão dessa experiência melancólica de rejeição açucarada. Esquecer de você, de mim, de tudo. Agüadecer minhas preces noturnas de solidão e febre. Lubrificardente minha aflição de co-existir tão cheio de remendos seus. Esquecer que te odeio e te amo. E da indiferença quem sabe brotar alguma cor nessa sua frieza e controle, algo mais que a contemplação mórbida da vida, a estagnação diante da paixão, algum suspiro nesses lábios quietos, algum orgasmo nesse corpo inerte, algum rugido nessa alma desfalecida e tediosa. Algum levante, algum motim nessa normalidade exasperante de não-paixão, de não-ação, de não-sentir. Ou de ocultar tudo que sente com jogos infantis, enquanto guarda num calabouço obscuro no seu íntimo avarento o olor dos séculos aprisionados. Pague o preço da vida e não se permita não viver. Pague o preço da vida e não se esconda mais dela. Pague o preço da vida.


sábado, 3 de março de 2018

Solidão

Desesperança das desesperanças...
Última e triste luz de uma alma em treva...
— A vida é um sonho vão que a vida leva
Cheio de dores tristemente mansas.

— É mais belo o fulgor do céu que neva
Que os esplendores fortes das bonanças
Mais humano é o desejo que nos ceva
Que as gargalhadas claras das crianças.

Eu sigo o meu caminho incompreendido
Sem crença e sem amor, como um perdido
Na certeza cruel que nada importa.

Às vezes vem cantando um passarinho
Mas passa. E eu vou seguindo o meu caminho
Na tristeza sem fim de uma alma morta.


Vinícius de Moraes