domingo, 14 de fevereiro de 2021

Vida finda


 A vida não é uma competição boba.

Tudo finda.

Até ela,

A vida,

Finda.


quinta-feira, 16 de abril de 2020


                                                                O profundo 
Permanece.
                                                               Eternamente.

quinta-feira, 8 de agosto de 2019

Te amo, Vida, líquida esteira onde me deito
Romã baba alcaçuz, teu trançado rosado
Salpicado de negro, de doçuras e iras.
Te amo, Líquida, descendo escorrida
Pela víscera, e assim esquecendo
Fomes
País
O riso solto
A dentadura etérea
Bola
Miséria.
Bebendo, Vida, invento casa, comida
E um Mais que se agiganta, um Mais
Conquistando um fulcro potente na garganta
Um látego, uma chama, um canto. Amo-me.
Embriagada. Interdita. Ama-me. Sou menos
Quando não sou líquida.
Hilda Hist

quarta-feira, 7 de agosto de 2019

- O meu anseio é o profundo.
- Algo profundo...
- Profundo?
- O Oceano Pacífico. 
- O Oceano Pacífico é profundo.

A melancólica profundeza do oceano...


Não era má, aquela garota. Tinha uma visão um tanto melancólica de si mesma. Usava vestidos e salto alto. E tinha belas canelas. Eu não sabia direito o que ela esperava de mim. Não queria que ela se sentisse mal. Beijei ela. Sua língua era longa e fina e ficava se contorcendo na minha boca. Parecia um lambari. Tudo era tão triste, mesmo quando as coisas davam certo.
BUKOWSKI, Charles. Mulheres.

terça-feira, 6 de agosto de 2019

À MARGEM
Olhando daqui, eu vejo
a margem
Olhando para mim, eu me vejo
à margem
...à margem da margem...
Olhando para mim, vejo
 um pântano 
escuro e frio
um pântano
inabitável,
sombrio
e que -para sempre- estará assim,
à margem
da margem.




segunda-feira, 22 de julho de 2019

Doce Melancolia

Numa noite em uma praça, bebendo um vinho barato de bar e chorando as mágoas da vida, um estranho me perguntou:
- "Por que você está tão triste? Olha que noite linda, vá se divertir com os seus amigos".
Refleti por alguns minutos e cheguei a conclusão de que não sairia dali: quem disse que eu não estava aproveitando aquela bela noite que fazia?
As pessoas acreditam que a felicidade se resume em viver sorrindo todos os dias, mas somente quando você passa boa parte da sua vida se sentindo triste, é que você entende que não é bem assim. Tudo passou a ser linear e eu percebi que felicidade não é ser, e sim estar. E naquele momento eu não queria estar. Naquele momento eu queria ficar ali, eu e meu vinho sozinhos, sentindo a tristeza e a melancolia que precisavam ser sentidas naquele momento.
Aceitar que a tristeza e a felicidade precisam ser sentidas da mesma forma, é sensato. Mas é somente quando você entende que elas estão contidas uma na outra, que você entende que precisa das duas.
Nunca vi ninguém pedir pra que uma pessoa chorando de alegria parasse de chorar. Mas foram inúmeras as vezes em que vi uma pessoa chorando de tristeza e outras pessoas em volta tentando fazê-la parar.
É como se ficar triste não fosse normal. As pessoas acabam reprimindo essa tristeza por tanto tempo que quando acabam sentindo, sentem tudo de uma vez, por um tempo mais do que o normal.
Imagino se um dia eu visse uma pessoa extremamente feliz, e então apontasse um revólver pra cabeça dela:
- "Você, pare de ficar feliz, AGORA!"
Ela pararia? Bom, provavelmente ficaria com medo do revólver e não sorrisse mais. Mas a partir do momento em que eu fosse embora, ela voltaria a sorrir da mesma forma. Por que então tentar evitar algo natural?
A felicidade responsável pelo meu bem estar, é a mesma responsável pela minha falta de motivação pra me tornar uma pessoa cada vez melhor.
A melancolia responsável pela falta de prazer em viver, é a mesma responsável pela beleza da minha arte.
La Belle Noelle


quinta-feira, 11 de julho de 2019

Pelos livros,
que ainda não li.
Pelos lugares,
que eu ainda não vi.
Pelas memórias,
que eu ainda não escrevi.
Pelas cervejas,
que eu ainda não bebi.
Pelos amores,
que eu ainda não vivi.
RE
SIS
TIR




sexta-feira, 5 de julho de 2019

há um pássaro azul em meu peito
que quer sair
mas sou duro demais com ele,
eu digo: fique aí, não deixarei que ninguém o veja.
há um pássaro azul em meu peito que
quer sair
mas eu despejo uísque sobre ele e inalo
fumaça de cigarro
e as putas e os atendentes dos bares
e das mercearias
nunca saberão que
ele está
lá dentro.
há um pássaro azul em meu peito
que quer sair
mas sou duro demais com ele,
eu digo:
fique aí,
quer acabar comigo?
quer foder com o meu trabalho?
quer arruinar as minhas vendas de livros
na Europa?
há um pássaro azul em meu peito que
quer sair
mas sou bastante esperto, deixo que ele saia
somente em algumas noites
quando todos estão dormindo.
eu digo: sei que você está aí,
então não fique triste.
depois, o coloco de volta em seu lugar,
mas ele ainda canta um pouquinho
lá dentro, não deixo que morra
completamente
e nós dormimos juntos
assim
como nosso pacto secreto
e isto é bom o suficiente para
fazer um homem
chorar,
mas eu não choro,
e você?


quarta-feira, 3 de julho de 2019


Nada é real. 
Exceto o desejo.
Nada é real.
Exceto
você
enlaçando meus cabelos com os dedos
e me puxando para dentro
para assim
dilacerar minhas verdades
deixar nuas minhas feridas mais profundas
e então
só então
penetrar fortemente a minha alma
e permitir que a correnteza invada cada beco escuro e sombrio que me habita.
Nada é real.
Nada...
Exceto você em mim.

quarta-feira, 19 de junho de 2019

10 de abril de 2003


Eles vão te passar vários remédios...
Mas nenhum vai te dar a cura
E vão dizer a você que está no fim.
Vão tirar as uvas verdes
E achar que era o melhor que poderiam fazer
Iriam dizer a você que quando se acha que a coisa está errada,
Ela realmente está errada
E quando se acha que está certa, ela nunca deixa de estar errada.
Vão querer ferir suas asas
E consertar seu coração despedaçado
Mas nunca vão encontrar os pedaços,
Nunca vão deixar de não enxergar onde estão
Suas feridas,
sangrando por todo seu corpo...
E vão achar que isso é o fim, mas o que eles
Não sabem é que isso é só o começo!

quarta-feira, 16 de janeiro de 2019

sábado, 22 de dezembro de 2018

TÉDIO
Não vivo, mal vegeto, duro apenas,
Vazio dos sentidos porque existo;
Não tenho infelizmente sequer penas
E o meu mal é ser (alheio Cristo)
Nestas horas doridas e serenas
Completamente consciente disto.

Fernando Pessoa


sábado, 24 de novembro de 2018

"Cavalheiros, a vida é curta. Se vivemos, vivemos para arrancar a cabeça dos reis."  
Willian Shakespeare

sábado, 17 de novembro de 2018



Te acalma, minha loucura!

Veste galochas nos teus cílios tontos e habitados!
Este sonho de serra de afiar facas
não chegará nem perto do teu canteiro de taquicardias...

Estas molas a gemer no quarto ao lado
Roberto Carlos a gemer nas curvas da Bahia
O cheiro inebriante dos cabelos na fila em frente no cinema...

As chaminés espumam pros meus olhos
As hélices do adeus despertam pros meus olhos
Os tamancos e os sinos me acordam depressa na
madrugada feita de binóculos de gávea
e chuveirinhos de bidê que escuto rígida nos lençóis de pano.

Ana Cristina Cesar

domingo, 17 de junho de 2018

ENTRE COPOS E CORPOS


(Eu vou esquecendo você...)
A noite chega inocente
feito filho.
Atravessa.
O violão soletra cada pulso meu
e dançamos
como dançam certos ventos
com certas árvores
e folhas e brisas e bisas e cabelos e lençóis no varal da varanda do mundo.
A moça ali de amarelo
a barba do violão
os dedos que apalpam o corpo invisível
do tempo.
E toda cerveja nas mãos erguidas
tilintam em um som parecido com saudade.
Eu queria
– ah, queria –
não dar desfeita ao agora
e mergulhar como mergulham certas primaveras.
Eu queria
– ah, queria –
enxergar toda teia de passado presente futuro que se enlaça aqui,
nessa sala,
agora
agora
agora.
Em cada agora nascente,
em cada toque.
Mas… sabe?
Toda essa eternidade
esse fio de violão pelo chão
esse tambor com mão com mão com mão
lembram mesmo é que nada finda
– meu bem.
Nada finda e é só fresta
(sabe..?)
Que a cerveja o tempo e a dança
são só pretextos
– meu bem.
Pre
tex
tos
para estar
e seguir
em encontros.
Encantos.
Em cantos.
Atravesse essa sala
atravesse esse tempo
esse som
e esse chão que pulsa junto
com a gente com o copo com o corpo com o
(sangue)
…sabe..?
E tá. Tá.
Atravessemos a madrugada assim, então.
Em punho firme em pandeiro quente em cerveja multicor de copos que se entrelaçam na mesa
qual meu?
qual meu?
qual meu?
nem importa.
Nem.
São nossos
os copos os corpos os sons
nada teu nada meu
tudo.
Meu
bem.
E esse é o fim do primeiro ato.
Do primeiro ato e do segundo fato.

E só para que não nos esqueçamos
estamos aqui, carnaval, comitê, coragem.
Cor
agem
.
E rimos
– sim, assim.
Só para lembrar dos horizontes
(ah!)
entre goles de cerveja
e temporais de ventos fortes.
Ah.
E fim, só para que não acabemos.
Sim.

sábado, 16 de junho de 2018

...que me vire do avesso
e me arranque as entranhas...




quarta-feira, 30 de maio de 2018

Bom mesmo é beber. Pra esquecer do mundo vil, da vida vil, dos homens vis, das mulheres vis. Esquecer da nefastidão dessa experiência melancólica de rejeição açucarada. Esquecer de você, de mim, de tudo. Agüadecer minhas preces noturnas de solidão e febre. Lubrificardente minha aflição de co-existir tão cheio de remendos seus. Esquecer que te odeio e te amo. E da indiferença quem sabe brotar alguma cor nessa sua frieza e controle, algo mais que a contemplação mórbida da vida, a estagnação diante da paixão, algum suspiro nesses lábios quietos, algum orgasmo nesse corpo inerte, algum rugido nessa alma desfalecida e tediosa. Algum levante, algum motim nessa normalidade exasperante de não-paixão, de não-ação, de não-sentir. Ou de ocultar tudo que sente com jogos infantis, enquanto guarda num calabouço obscuro no seu íntimo avarento o olor dos séculos aprisionados. Pague o preço da vida e não se permita não viver. Pague o preço da vida e não se esconda mais dela. Pague o preço da vida.


sábado, 3 de março de 2018

Solidão

Desesperança das desesperanças...
Última e triste luz de uma alma em treva...
— A vida é um sonho vão que a vida leva
Cheio de dores tristemente mansas.

— É mais belo o fulgor do céu que neva
Que os esplendores fortes das bonanças
Mais humano é o desejo que nos ceva
Que as gargalhadas claras das crianças.

Eu sigo o meu caminho incompreendido
Sem crença e sem amor, como um perdido
Na certeza cruel que nada importa.

Às vezes vem cantando um passarinho
Mas passa. E eu vou seguindo o meu caminho
Na tristeza sem fim de uma alma morta.


Vinícius de Moraes

quarta-feira, 19 de julho de 2017


A alegria

O sofrimento não tem
nenhum valor.


Não acende um halo
em volta de tua cabeça, não
ilumina trecho algum
de tua carne escura
(nem mesmo o que iluminaria
a lembrança ou a ilusão
de uma alegria).

Sofre tu, sofre
um cachorro ferido, um inseto
que o inseticida envenena.
Será maior a tua dor
que a daquele gato que viste
a espinha quebrada a pau
arrastando-se a berrar pela sarjeta
sem ao menos poder morrer?

A justiça é moral, a injustiça
não. A dor
te iguala a ratos e baratas
que também de dentro dos esgotos
espiam o sol
e no seu corpo nojento
de entre fezes
querem estar contentes.

Ferreira Gullar

sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

Pneumotórax

Febre, hemoptise, dispneia e suores noturnos

A vida inteira que podia ter sido e não foi

Tosse, tosse, tosse.

Mandou chamar o médico:

– Diga trinta e três.

– Trinta e três…trinta e três… trinta e três…

– Respire.

…………………………………………………………………………………….

– O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo e o pulmão direito infiltrado.

– Então doutor, não é possível tentar o pneumotórax?

– Não. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino.

  (Manuel Bandeira)

quarta-feira, 21 de setembro de 2016

É melhor morrer de vodca do que de tédio.

A SIERGUÉI IESSIÊNIN
Você partiu,
                 como se diz,
                                    para o outro mundo.
Vácuo. . .
             Você sobe,
                             entremeado às estrelas.
Nem álcool,
                 nem moedas.
Sóbrio.
           Vôo sem fundo.
Não, lessiênin,
                      não posso
                                     fazer troça, -
Na boca
             uma lasca amarga
                                        não a mofa.
Olho -
          sangue nas mãos frouxas,
você sacode
                  o invólucro
                                 dos ossos.
Sim,
       se você tivesse
                             um patrono no "Posto"
(1) -
ganharia
            um conteúdo
                               bem diverso:
todo dia
            uma quota
                           de cem versos,
longos
          e lerdos,
                       como Dorônin
(2).
Remédio?
               Para mim,
                               despautério:
mais cedo ainda
                        você estaria nessa corda.
Melhor
           morrer de vodca
que de tédio !
Não revelam
                   as razões
                                 desse impulso
nem o nó,
               nem a navalha aberta.
Pare,
        basta !
                   Você perdeu o senso? -
Deixar
          que a cal
                        mortal
                                  Ihe cubra o rosto?
Você,
         com todo esse talento
para o impossível;
                          hábil
                                  como poucos.
Por quê?
             Para quê?
                            Perplexidade.
- É o vinho!
                 - a crítica esbraveja.
Tese:
         refratário à sociedade.
Corolário:
                muito vinho e cerveja.
Sim,
       se você trocasse
                                a boêmia
                                             pela classe;
A classe agiria em você,
                                    e Ihe daria um norte.
E a classe
                por acaso
                               mata a sede com xarope?
Ela sabe beber -
                        nada tem de abstêmia.
Talvez,
          se houvesse tinta
                                    no "Inglaterra"
(3);
você
        não cortaria
                          os pulsos.
Os plagiários felizes
                              pedem: bis!
Já todo
           um pelotão
                           em auto-execução.
Para que
              aumentar
                            o rol de suicidas?
Antes
         aumentar
                       a produção de tinta!
Agora
         para sempre
                           tua boca
                                        está cerrada.
Difícil
        e inútil
                  excogitar enigmas.
O povo,
            o inventa-línguas,
perdeu
          o canoro
                       contramestre de noitadas.

E levam
             versos velhos
                                 ao velório,
sucata
          de extintas exéquias.
Rimas gastas
                    empalam
                                  os despojos, -
é assim
            que se honra
                                um poeta?
-Não
        te ergueram ainda um monumento -
onde
        o som do bronze
                                 ou o grave granito? -
E já vão
            empilhando
                             no jazigo
dedicatórias e ex-votos:
                                   excremento.
Teu nome
               escorrido no muco,
teus versos,
                  Sóbinov
(4) os babuja,
voz quérula
                 sob bétulas murchas -
"Nem palavra, amigo,
                               nem so-o-luço".
Ah,
      que eu saberia dar um fim
a esse
          Leonid Loengrim!
(5)
Saltaria
            - escândalo estridente:
- Chega
            de tremores de voz!
Assobios
             nos ouvidos
                              dessa gente,
ao diabo
             com suas mães e avós!
Para que toda
                    essa corja explodisse
inflando
            os escuros
                            redingotes,
e Kógan
(6)
               atropelado
                               fugisse,
espetando
                os transeuntes
                                      nos bigodes.
Por enquanto
                    há escória
                                    de sobra.
0 tempo é escasso -
                              mãos à obra.
Primeiro
             é preciso
                           transformar a vida,
para cantá-la -
                      em seguida.
Os tempos estão duros
                                   para o artista:
Mas,
        dizei-me,
                     anêmicos e anões,
os grandes,
                 onde,
                          em que ocasião,
escolheram
                  uma estrada
                                     batida?
General
            da força humana
                                     - Verbo -
marche!
            Que o tempo
                               cuspa balas
                                                 para trás,
e o vento
             no passado
                              só desfaça
um maço de cabelos.
Para o júbilo
                   o planeta
                                 está imaturo.
É preciso
              arrancar alegria
                                     ao futuro.
Nesta vida
                morrer não é difícil.
O difícil
           é a vida e seu ofício.

Vladimir Maiakovski 
(Tradução de Haroldo de Campos)

terça-feira, 20 de setembro de 2016

痛み Itami

Dor Elegante

Um homem com uma dor

É muito mais elegante
Caminha assim de lado
Com se chegando atrasado
Chegasse mais adiante
Carrega o peso da dor
Como se portasse medalhas
Uma coroa, um milhão de dólares
Ou coisa que os valha
Ópios, edens, analgésicos
Não me toquem nesse dor
Ela é tudo o que me sobra
Sofrer vai ser a minha última obra
Paulo Leminski