quarta-feira, 31 de março de 2010

Lisbon revisited (1926)

Nada me prende a nada.
Quero cinqüenta coisas ao mesmo tempo.
Anseio com uma angústia de fome de carne
O que não sei que seja -
Definidamente pelo indefinido...
Durmo irrequieto, e vivo num sonhar irrequieto
De quem dorme irrequieto, metade a sonhar.
Fecharam-me todas as portas abstratas e necessárias.
Correram cortinas de todas as hipóteses que eu poderia ver da rua.
Não há na travessa achada o número da porta que me deram.
Acordei para a mesma vida para que tinha adormecido.
Até os meus exércitos sonhados sofreram derrota.
Até os meus sonhos se sentiram falsos ao serem sonhados.
Até a vida só desejada me farta - até essa vida...
Compreendo a intervalos desconexos;
Escrevo por lapsos de cansaço;
E um tédio que é até do tédio arroja-me à praia.
Não sei que destino ou futuro compete à minha angústia sem leme;
Não sei que ilhas do sul impossível aguardam-me naufrago;
ou que palmares de literatura me darão ao menos um verso.
Não, não sei isto, nem outra coisa, nem coisa nenhuma...
E, no fundo do meu espírito, onde sonho o que sonhei,
Nos campos últimos da alma, onde memoro sem causa
(E o passado é uma névoa natural de lágrimas falsas),
Nas estradas e atalhos das florestas longínquas
Onde supus o meu ser,
Fogem desmantelados, últimos restos
Da ilusão final,
Os meus exércitos sonhados, derrotados sem ter sido,
As minhas cortes por existir, esfaceladas em Deus.
Outra vez te revejo,
Cidade da minha infância pavorosamente perdida...
Cidade triste e alegre, outra vez sonho aqui...
Eu? Mas sou eu o mesmo que aqui vivi, e aqui voltei,
E aqui tornei a voltar, e a voltar.
E aqui de novo tornei a voltar?
Ou somos todos os Eu que estive aqui ou estiveram,
Uma série de contas-entes ligados por um fio-memória,
Uma série de sonhos de mim de alguém de fora de mim?
Outra vez te revejo,
Com o coração mais longínquo, a alma menos minha.
Outra vez te revejo - Lisboa e Tejo e tudo -,
Transeunte inútil de ti e de mim,
Estrangeiro aqui como em toda a parte,
Casual na vida como na alma,
Fantasma a errar em salas de recordações,
Ao ruído dos ratos e das tábuas que rangem
No castelo maldito de ter que viver...
Outra vez te revejo,
Sombra que passa através das sombras, e brilha
Um momento a uma luz fúnebre desconhecida,
E entra na noite como um rastro de barco se perde
Na água que deixa de se ouvir...
Outra vez te revejo,
Mas, ai, a mim não me revejo!
Partiu-se o espelho mágico em que me revia idêntico,
E em cada fragmento fatídico vejo só um bocado de mim -
Um bocado de ti e de mim!...

[Álvaro de Campos]

sexta-feira, 26 de março de 2010

O velho, o menino e o burro

Um velho resolveu vender seu burro na feira da cidade.Como iria retornar andando, chamou seu neto para acompanhá-lo. Montaram os dois no animal e seguiram viagem.
Passando por um grupo de pessoas, escutaram os comentários críticos; " Como é que pode, duas pessoas em cima deste pobre animal!".
Resolveram então que o menino desceria, e o velho permaneceria montado. Prosseguiram...


Mais na frente tinha uma lagoa e algumas senhoras estavam lavando roupa. Quando viram a cena, puseram-se a reclamar; " Que absurdo ! Explorando a pobre criança, podendo deixá-la em cima do animal."
Constrangidos com o ocorrido, trocaram as posições, ou seja, o menino montou e o velho desceu.


Tinham caminhado alguns metros, quando algumas jovens sentadas na calçada externaram seu espanto com o que presenciaram; "Que menino preguiçoso ! Enquanto este velho senhor caminha, ele fica todo prazeroso em cima do animal. Tenha vergonha !"
Diante disto, o menino desceu e desta vez o velho não subiu. Ambos resolveram caminhar, puxando o burro.


Já acreditavam ter encontrado a fórmula mais correta quando passaram em frente a um bar. Alguns homens que ali estavam começaram a dar gargalhadas, fazendo chacota da cena; " São mesmo uns idiotas ! Ficam andando a pé, enquanto puxam um animal tão jovem e forte !"
O avô e o neto olharam um para o outro, como que tentando encontrar a maneira correta de agir.
Então ambos pegaram o burro e o carregaram nas costas.

(A velha e excelente!) Moral da História: Não faça concessões muito fáceis do seu jeito de ser: se tentar agradar a todos, vai acabar conseguindo é desagradar a você mesmo.

Vicissitudes...

Vendo o Supercine, a vontade é de ficar acordada até o homem-que-traz-o-jornal, trazer o jornal... E trocar o dia pela noite e dormir! Acordar e tomar um branco vinho e talvez (quem sabe!) cavalo alado, sarar de resfriado e você dentro de mim...

segunda-feira, 8 de março de 2010

Epígrafes...

“E eu tive certeza de que não teria mais como haver um começo quando eu disse ‘me deseja Boa Morte’ e ele me desejou ‘Boa Vida’!”

“...E as pessoas disseram ‘ah, ela não é nada bonita’, tiraram ela da bela casa e a colocaram na rua, ela foi embora e nunca mais voltou. E quando as pessoas ficaram com fome de novo, voltaram pra casa procurando o ouro, mas não havia mais ouro lá.” (Do Diário de Gia Marie Carangi)

 
 “Se a Terra é uma esfera quadrada
que gira parada em volta do sol

eu prefiro morrer do que perder a vida.”
(autor desconhecido)