quinta-feira, 21 de outubro de 2010

A Dor em Ser e em não-Ser...

O que eu gosto em você...
É todo esse seu ar de tristeza
Essa fome, que insiste em não-acabar
E a dor...

O que eu gosto em você...
É mais do que qualquer pessoa poderia
É o não-fazer
o não feito
o incômodo

O que eu gosto em você...
Traduz as coisas perdidas
ou o que nem chegou a existir para se perder...

O que eu gosto em você...
É a mim.

domingo, 16 de maio de 2010

Recuperando meus vinis...

Bem, essa é a hora de tentar recuperá-los:  encontrá-los, tirar a poeira que ficou e que sempre insiste em reaparecer, recuperar o que ficou perdido, o que ficou empoeirado...


Para isso trago um poeminha de um cara que amo: Pessoa!

POEMA EM LINHA RETA



Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.
E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,

Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;


Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.


Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...



Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?


Ó príncipes, meus irmãos,
Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?
Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?

Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.


[Álvaro de Campos]

domingo, 11 de abril de 2010

Sempre atual...

Versos Íntimos

Vês?! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão — esta pantera —

Foi tua companheira inseparável!


Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.


Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.


Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!



[Augusto dos Anjos]








quarta-feira, 7 de abril de 2010

Uma NOVA antiga oração...

Pai Nosso que estais no céu,
santificado seja o vosso nome,

vem a nós o vosso reino,
seja feita a vossa vontade
assim na terra como no céu.


O pão nosso de cada dia nos dai hoje,
perdoai-nos as nossas ofensas,
assim como nós TENTAMOS PERDOAR
a quem nos tem ofendido,
não nos deixei cair em tentação
mas livrai-nos do mal.


Amém.


PS: Tomei a liberdade de fazer uma modificação honesta nesta oração. Que Jesus nos ouça na nossa sinceridade!!

sexta-feira, 2 de abril de 2010

Da beleza esquecida todos os dias...

Cantada

Você é mais bonita que uma bola prateada
de papel de cigarro
Você é mais bonita que uma poça dágua
límpida
num lugar escondido

Você é mais bonita que uma zebra
que um filhote de onça
que um Boeing 707 em pleno ar
Você é mais bonita que um jardim florido
em frente ao mar em Ipanema

Você é mais bonita que uma refinaria da Petrobrás
de noite
mais bonita que Ursula Andress
que o Palácio da Alvorada
mais bonita que a alvorada
que o mar azul-safira
da República Dominicana

Olha,
você é tão bonita quanto o Rio de Janeiro
em maio
e quase tão bonita
quanto a Revolução Cubana
 
[Ferreira Gullar]

quarta-feira, 31 de março de 2010

Lisbon revisited (1926)

Nada me prende a nada.
Quero cinqüenta coisas ao mesmo tempo.
Anseio com uma angústia de fome de carne
O que não sei que seja -
Definidamente pelo indefinido...
Durmo irrequieto, e vivo num sonhar irrequieto
De quem dorme irrequieto, metade a sonhar.
Fecharam-me todas as portas abstratas e necessárias.
Correram cortinas de todas as hipóteses que eu poderia ver da rua.
Não há na travessa achada o número da porta que me deram.
Acordei para a mesma vida para que tinha adormecido.
Até os meus exércitos sonhados sofreram derrota.
Até os meus sonhos se sentiram falsos ao serem sonhados.
Até a vida só desejada me farta - até essa vida...
Compreendo a intervalos desconexos;
Escrevo por lapsos de cansaço;
E um tédio que é até do tédio arroja-me à praia.
Não sei que destino ou futuro compete à minha angústia sem leme;
Não sei que ilhas do sul impossível aguardam-me naufrago;
ou que palmares de literatura me darão ao menos um verso.
Não, não sei isto, nem outra coisa, nem coisa nenhuma...
E, no fundo do meu espírito, onde sonho o que sonhei,
Nos campos últimos da alma, onde memoro sem causa
(E o passado é uma névoa natural de lágrimas falsas),
Nas estradas e atalhos das florestas longínquas
Onde supus o meu ser,
Fogem desmantelados, últimos restos
Da ilusão final,
Os meus exércitos sonhados, derrotados sem ter sido,
As minhas cortes por existir, esfaceladas em Deus.
Outra vez te revejo,
Cidade da minha infância pavorosamente perdida...
Cidade triste e alegre, outra vez sonho aqui...
Eu? Mas sou eu o mesmo que aqui vivi, e aqui voltei,
E aqui tornei a voltar, e a voltar.
E aqui de novo tornei a voltar?
Ou somos todos os Eu que estive aqui ou estiveram,
Uma série de contas-entes ligados por um fio-memória,
Uma série de sonhos de mim de alguém de fora de mim?
Outra vez te revejo,
Com o coração mais longínquo, a alma menos minha.
Outra vez te revejo - Lisboa e Tejo e tudo -,
Transeunte inútil de ti e de mim,
Estrangeiro aqui como em toda a parte,
Casual na vida como na alma,
Fantasma a errar em salas de recordações,
Ao ruído dos ratos e das tábuas que rangem
No castelo maldito de ter que viver...
Outra vez te revejo,
Sombra que passa através das sombras, e brilha
Um momento a uma luz fúnebre desconhecida,
E entra na noite como um rastro de barco se perde
Na água que deixa de se ouvir...
Outra vez te revejo,
Mas, ai, a mim não me revejo!
Partiu-se o espelho mágico em que me revia idêntico,
E em cada fragmento fatídico vejo só um bocado de mim -
Um bocado de ti e de mim!...

[Álvaro de Campos]

sexta-feira, 26 de março de 2010

O velho, o menino e o burro

Um velho resolveu vender seu burro na feira da cidade.Como iria retornar andando, chamou seu neto para acompanhá-lo. Montaram os dois no animal e seguiram viagem.
Passando por um grupo de pessoas, escutaram os comentários críticos; " Como é que pode, duas pessoas em cima deste pobre animal!".
Resolveram então que o menino desceria, e o velho permaneceria montado. Prosseguiram...


Mais na frente tinha uma lagoa e algumas senhoras estavam lavando roupa. Quando viram a cena, puseram-se a reclamar; " Que absurdo ! Explorando a pobre criança, podendo deixá-la em cima do animal."
Constrangidos com o ocorrido, trocaram as posições, ou seja, o menino montou e o velho desceu.


Tinham caminhado alguns metros, quando algumas jovens sentadas na calçada externaram seu espanto com o que presenciaram; "Que menino preguiçoso ! Enquanto este velho senhor caminha, ele fica todo prazeroso em cima do animal. Tenha vergonha !"
Diante disto, o menino desceu e desta vez o velho não subiu. Ambos resolveram caminhar, puxando o burro.


Já acreditavam ter encontrado a fórmula mais correta quando passaram em frente a um bar. Alguns homens que ali estavam começaram a dar gargalhadas, fazendo chacota da cena; " São mesmo uns idiotas ! Ficam andando a pé, enquanto puxam um animal tão jovem e forte !"
O avô e o neto olharam um para o outro, como que tentando encontrar a maneira correta de agir.
Então ambos pegaram o burro e o carregaram nas costas.

(A velha e excelente!) Moral da História: Não faça concessões muito fáceis do seu jeito de ser: se tentar agradar a todos, vai acabar conseguindo é desagradar a você mesmo.

Vicissitudes...

Vendo o Supercine, a vontade é de ficar acordada até o homem-que-traz-o-jornal, trazer o jornal... E trocar o dia pela noite e dormir! Acordar e tomar um branco vinho e talvez (quem sabe!) cavalo alado, sarar de resfriado e você dentro de mim...

segunda-feira, 8 de março de 2010

Epígrafes...

“E eu tive certeza de que não teria mais como haver um começo quando eu disse ‘me deseja Boa Morte’ e ele me desejou ‘Boa Vida’!”

“...E as pessoas disseram ‘ah, ela não é nada bonita’, tiraram ela da bela casa e a colocaram na rua, ela foi embora e nunca mais voltou. E quando as pessoas ficaram com fome de novo, voltaram pra casa procurando o ouro, mas não havia mais ouro lá.” (Do Diário de Gia Marie Carangi)

 
 “Se a Terra é uma esfera quadrada
que gira parada em volta do sol

eu prefiro morrer do que perder a vida.”
(autor desconhecido)